Com o tumulto que essas
eleições causaram, extremos a que chegamos que eu nunca tinha visto antes e as
perseguições, por falta de uma palavra melhor, das quais fomos vítimas ou testemunhas,
parei para refletir sobre a intolerância e o pré-julgamento, dos quais somos vítimas e testemunhas diariamente. Eis, então, que surge este texto.
Primeiro questionamento a
ser considerado: por que me julgas?
Só na última semana fui recorde
de julgamentos expressivos, por tudo que está dentro de seu limite de
imaginação. Fui julgada por ter cometido erros. Fui julgada por me arrepender
deles, mas muito mais pelos que eu não
me arrependi. Fui julgada por ter dito uma palavra na hora errada, por não
cumprir com as expectativas de alguém, por querer me divertir. Fui julgada por
ter escolhido um paquera novo, por não chorar por um paquera velho, por ter
ficado com raiva de alguém e por ter me afastado depois. Fui julgada por não
ter dado meu apoio a um partido. Fui julgada por não querer conflitos e
discutir sobre isso. Fui julgada pelos meus amigos vermelhos e pelos meus
amigos azuis. Fui julgada pelo meu peso, como sempre, fui julgada pelas minhas
manias e reclamações e personalidade. Fui julgada pelos meus receios e
inseguranças. Acho que eu fui julgada, especialmente, por não acreditar que o
mundo todo sabe bem mais do que eu sei sobre a maneira ideal que eu devo ser,
vestir, pensar e agir.
Segundo questionamento: por
que me tomas?
Num mundo novo onde a moda é
“sejamos todos críticos”, ninguém mais é tão ingênuo a ponto de pensar que está
livre de ser julgado. Seremos todos. O tempo todo. O problema é que alguém, em
algum momento desse mundo moderno, decidiu que nada disso tem que ficar na
própria cabeça. Falemos, falemos, falemos. E, desculpe o palavreado, mas
foda-se a educação, a gentileza, a tolerância. É diferente, então é errado, e
foda-se quem não enxergar isso também. Experiência de vida, bagagem, motivos,
nada disso é importante. E por quê?
Porque nós já estamos no
terceiro questionamento: sou muito importante. Muito. Mas mais que isso. Sou tipo
a encarnação do modelo perfeito de Darwin. Meu cérebro é a evolução racional
num corpo gostoso e olhos sedutores. Desculpe, não estou vendo você daqui de
cima. Mas você escuta minhas palavras daí de baixo, certo? Portanto escute, e
escute com muita atenção: sou uma pessoa estudada e crítica (tenho um diploma de
mestrado e fiz algumas pesquisas ali no Wikipédia), portanto, seja o que eu
estou dizendo que você tem que ser. Se você não me escutar só vai provar que é
o que eu já desconfiava: um cérebro ultrapassado que não merece nada além da
minha hostilidade. Não importa que metade do mundo não concorde comigo. Não
importa que é lei, que é fato, que é consistente ou inconsistente. Importa que
sou eu quem estou dizendo e eu sou foda. Repita comigo: amém.
Por último: follow me!
Por que essa perseguição tem
ficado pior? Não me lembro das últimas eleições afastarem tanto as pessoas
assim antes. Não me lembro de ter havido tanto conflito. Não me lembro de ter
chamado tanta gente para tomar um Starbucks, reclamar da minha vida e pedir um
conselho. Mas, é claro, minha vida agora é um livro aberto. Temos facebook,
twitter, what’s app e muitas outras coisas para que todos saibam onde eu estou,
onde eu vou, com quem, e até como. Você abre a deixa para verem se gostam ou
não, para 500 pessoas comentarem o que acham daquilo e ainda dá a chance para
que elas espalhem isso para os amigos delas também. E veja o progresso! O que
tínhamos disso há quatro anos atrás? O que era o Facebook há quatro anos atrás?
Será a rede social um desinibidor pior que o álcool? Porque qual caminho mais
fácil tenho eu para botar toda a titica de galinha que eu tenho na minha cabeça
sem ser obrigado a enfrentar os olhos de alguém, um ser humano como eu, com uma
história que eu desconheço?
É muito mais fácil julgar
alguém quando me coloco no limite virtual da distância, quando esqueço que ela
sangra, que ela é humana e, portanto, comete erros, e que, por mais errada que
seja a atitude dela, ela acha que está fazendo a coisa certa, sim. E eu não
quero citar Voltaire nem Lincoln, mas vale a reflexão: o que é mais importante?
Uma convivência amistosa em que deixemos a fantasia de separar o mundo entre
vilões e mocinhos e aceitemos diferenças e erros, seja qual for a origem deles,
ou viver num ambiente conflituoso e de energia negativa, porque é mais
importante expor todas as maçãs podres que estão na sua cabeça? Dói guardá-las
para si? Dói tanto assim deixar de estar certo, deixar de ser a vítima?
Ei, buddy! Vamos deixar isso
pra lá e tomar uma cerveja?