quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Diálogo interno: o hóspede e o hospedeiro


- E então? O que ela está sentindo?
- Nesse momento? Muita coisa, cara, é difícil de ler...
- Tente, brother. Eu preciso saber.
- Bem, ela está triste. Vazia. Você não vai acreditar, mas ela se sente... feia.
- Como assim, feia?
- Feia, como o significado que tem. Sei que você não vai acreditar, eu mesmo quase nem acredito, mas ela... ela te acha o máximo, cara, a perfeição em pessoa. Você é muito pra ela... quer dizer, é o que ela fica tentando me convencer. Eu não acho. Se bem que...
- Se bem que o quê?
- Bem, você não se esforça muito para mostrar o contrário, não é?
- Não entendi. Eu nunca disse que ela não era bonita.
- Mas nunca disse que ela era, disse? Ela assiste você mostrando claramente seu consentimento da beleza de outras mulheres, enquanto ela... bem, ela não é cega. Ela tem espelho em casa. Ela sabe que não é do tipo clássico...
- Isso não é importante...
- E você diz isso pra mim? Eu a conheço melhor que todo mundo. O reflexo do espelho dela é o de menos.
- O que mais ela está sentindo?
- Muita coisa, já lhe disse. É tão confuso...! Eu não sei o que pensar...
- Me conte...
- Ela... Ela tem vergonha. E medo.
- Do que?
- Não sei bem. Ela acha que você não acreditaria nos sentimentos dela. Ela tem medo de se expor demais. Tem medo de você desprezar ela...
- Eu nunca...
- Eu sei cara. Mas ela é mulher, esse tipo de coisa é normal, eu acho.
- ...
- Não me olhe assim. Eu estou confuso também... você não sabe, mas... cara, isso está acabando comigo! Eu nunca fui muito bem cuidado, sabe? As últimas pessoas para quem ela me confiou eram verdadeiros políticos, se é que você me entende. Eu queria que ela resolvesse essa situação de uma vez por todas. Você devia ajudar.
- Eu quero. Eu vou. É só você me dizer o que eu tenho que fazer.
- Bem, é meio óbvio, não é? Você vive em mim, e a julgar pelo espaço que você vem ganhando aqui dentro, ela dificilmente vai te deixar sair...
- Se eu saísse, essa conversa seria inútil...
- Bem pensado. Você sabe que eu não tenho raciocinado bem recentemente.
- Ajude-me. O que eu faço?
- Já disse, é bem óbvio. Você tem que fazê-la se sentir bonita. Fazê-la se sentir mulher. Uma mulher amada só se sente amada nos braços de alguém que a faça se sentir a mais especial e a mais bonita, mesmo que ela... bem, não seja. Assim ela vai se sentir mais confiante. Mais confiante, ela vai deixar de ter tanto medo. Ela vai se aproximar com passinhos pequenos que se tornarão mais ousados conforme você vai abrindo brechas. Mas você não pode hesitar, porque se ela notar, recua.
- Ela não devia desistir tão fácil...
- Desistir? Fácil? Cara, eu te quebraria no meio agora se você já não estivesse me partindo. Você tem dores? Mágoas? Lembranças ruins? Pois ela também tem. Se você soubesse o quão profundamente já fui estilhaçado... Veja, ainda tenho as cicatrizes.
- Eu estou vendo. Sinto muito. Mas eu não tenho forças para fazer tudo isso, cara...
- Você sozinho não tem mesmo, não. Mas você inteiro, aquele que está fora do meu alcance, aquele você tem.
- Mas como eu vou avisá-lo? Você mesmo disse, eu não posso sair daqui...
- Cara, você é você. Tem que dar um jeito!
- Não sei como...
- É, nem eu... Se bem que...
- O que?
- Seu outro eu deveria lembrar de tudo isso quando acordasse amanhã. Você é uma parte dele. Mas ele não vai. Não em palavras, pelo menos.
- O que quer dizer?
- Tome.
- O que é isso?
- É um pouquinho do amor que ela tem por você. Ele está por todo lado, e é tão grande e tanto que um pouquinho não vai fazer falta. Por outro lado, você já vive dentro de mim... Guarde esse amor com você, e então será minha vez de viver em você...
- Tem certeza de que isso vai funcionar?
- Eu não sei. Mas de uma coisa eu estou certo: quando seu eu acordar amanhã, ele estará diferente. Mais feliz. Mais amado. Se você for esperto quererá sentir muito mais disso pelo resto da sua vida.
- E se eu não for esperto?
- Aí você perderá um amor que dificilmente vai encontrar de novo. E aos poucos você sairá de mim. Será uma parte de mim que irá embora, mas eu sobreviverei, como das outras vezes. Eu e ela.